Transpasses do marasmo cultural.

( ligue o fundo sonoro no rodapé desta página )

Conta a História, que as naus portuguesas que aportaram às costas da Bahia, enfrentaram por longo tempo, dias de marasmo provocado por calmaria dos ventos, o que é contestado por muitos historiadores, que acreditam que este marasmo foi apenas uma estratégia da coroa portuguesa para justificar um acaso que só era aparente, mas na realidade, um projeto secreto de dominação do Atlântico Sul.

abertura
Transpasses

Estes tempos de marasmo nas artes e na Cultura, se fruto do acaso ou de estratégias secretas, acabam por estimular transpasses, que nos levem a novas descobertas nas artes e na maneira de levá-la ao público e à sociedade e cultura lusófona.

É com este olhar e esta mesma disposição, que artistas brasileiros de Pernambuco e portugueses da Cidade do Porto, se uniram na busca de origens, história e elementos culturais comuns e, também, suas diferenças.

Aonde nos leva a calmaria?

Por isso, a metáfora do descobrimento, do movimento de busca de uma terra, por de terras tão distantes, é perfeita para encontrarmos os valores históricos, antropológicos, sociais e políticos para descobrir o novo.

As marolas que acariciam os mangues onde nascem os caranguejos que a artista plástica pernambucana Anna Guerra traz para a mostra que abre dia 21 de novembro, na Glen Arte Galeria em Barueri- São Paulo, tornam-se as grandes ondas que fazem a festa dos surfistas do outro lado do Atlântico, nas praias de Portugal.

nebulosa 19

As nebulosas que Roberto Botelho traz em seus quadros, são inspirados nas estrelas pelas quais os navegadores lusitanos se guiavam, sextante em punho, um olho no céu, outro no horizonte. Aliás o próprio substantivo “botelho”, que veio dar-lhe o nome de família, está presente na carta de Caminha a El Rey, nomeando os restos botânicos que indicavam a proximidade de terra firme, nos dias que antecederam a descoberta.

Papangus II – técnica mista s/ tela- 110 X 115 cm – 2019

A arte perscruta territórios invisíveis, ainda a serem descobertos, para torná-los visíveis.

Por isso, a metáfora do descobrimento, do movimento de busca de uma terra, por de terras tão distantes, é perfeita para encontrarmos os valores históricos, antropológicos, sociais e políticos para descobrir o novo.

Saberemos aproveitar os ventos que sucedem à calmaria?

Novos territórios.

Alvor Negro I – acrílico s/ papel – 42 X 29,7 cm – 2019

Se o soubermos, daremos, com certeza, em terra fértil e de clima ameno, onde o que se planta, por forças das abundantes águas, tudo dá. Poderemos ver não apenas o sol nascer negro como nos parece neste momento e nos desenhos de Zulmiro, tornarem-se frutos que amadurecem nas pinturas de Laranjo, saborosas promessas como as que comemoram,  brincando e dançando os personagens carnavalescos de Sérgio Lemos.

De manhã cedo – óleo s/ papel – 40,5 X 29,7 cm – 2019
19 lanarkroad – técnica mista – 29,7 X 42 cm – 2016

Os dias de lá, que se mostram nos desenhos intimistas de Manuel Casal Aguiar e os de cá, que aparecem nos pastéis de Centeno, se refletem nas cenas de rua de Maurício Arraes: um sol forte de amarelo intenso ilumina estas cenas e, também, as pedras que Odilon Cavalcanti apresenta. Seriam pedras preciosas levadas às toneladas, como o ouro, lastreando as naus do colonizador? Ou são pedras filosofais, como tanto lhe apraz?

Menina na rua – acrílica s/ tela – 50 X 70cm – 2018
Série Brasil II Pastel seco s/papel 29,7 X42 cm 2019

A exposição que o Movimento Transpasses agora re-inaugura é apenas uma marola. Uma pequena onda, que no entanto, contém tanta verdade – num mundo cada vez mais “fake” – que é capaz de conter a energia de gerar um verdadeiro “tsunami”.

O futuro dirá o que o passado mal esconde.

Rubi – Pastel, violeta genciana e acrílica sobre tela – 60×60 cm -2019